domingo, 23 de março de 2014


Se considerarmos o nosso DNA como um imenso teclado de piano

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Se considerarmos o nosso DNA como um imenso teclado de piano no qual as teclas são os genes – cada uma delas simbolizando um segmento de DNA responsável por determinada nota, ou característica, e todas as teclas se combinando para fazer de nós o que somos –, então os processos epigenéticos determinam o momento e o modo em que cada tecla pode ser acionada, alterando a melodia que está sendo tocada.
Uma das maneiras pelas quais o estudo da epigenética vem revolucionando o entendimento da biologia é o esclarecimento de um mecanismo pelo qual o ambiente afeta diretamente os genes. Estudos com animais, por exemplo, mostraram que as tensões sofridas por uma fêmea de rato durante a gravidez podem provocar mudanças epigenéticas no feto, as quais por sua vez ocasionam problemas comportamentais no roedor adulto. Outras alterações parecem ocorrer de modo aleatório – como se entrasse areia nas engrenagens entre os contextos inatos e os adquiridos. Ainda outros processos epigenéticos são normais, como aqueles que vão guiando as células embrionárias enquanto se transformam em órgãos, como o coração, o cérebro, o fígado. “Durante a gravidez, mudanças devem ocorrer à medida que as células se diferenciam e se tornam tecidos especializados, e sabemos que isso requer uma sequência de programas epigenéticos”, diz Andrew Feinberg, diretor do Centro de Epigenética da Faculdade de Medicina Johns Hopkins.
A pesquisa de Feinberg tem como alvo um determinado processo epigenético denominado “metilação do DNA”, que, já se sabe, torna mais ou menos intensa a expressão dos genes. Para entender a relação disso com o autismo, Feinberg e seus colegas na faculdade estão usando escâneres modernos e computadores para identificar, nas amostras de DNA de gêmeos autistas, os “marcadores” epigenéticos, aqueles pontos ao longo do genoma nos quais a metilação altera o padrão de expressão dos genes.
O objetivo desse estudo, ainda em andamento, é determinar se indivíduos com autismo grave, como John, possuem um perfil de metilação diferente do encontrado nas outras pessoas. Em caso afirmativo, isso poderia explicar por que ele acabou se tornando tão diferente do irmão. Apesar de partilharem o mesmo teclado, seus corpos estão tocando melodias distintas.
Essa é uma nova e promissora abordagem, comenta Arturas Petronis, o responsável pelo laboratório de epigenética do Centro de Dependência e Saúde Mental de Toronto. Há algum tempo os pesquisadores sabem que transtornos complexos, como o autismo, são herdáveis. No entanto, um exame exaustivo das próprias sequências de DNA não mostrou por que motivo gêmeos como Sam e John apresentam divergência tão acentuada de comportamento. “Após 30 anos de estudos genéticos moleculares, conseguimos explicar apenas 2% ou 3% da predisposição herdada no caso de transtornos psiquiátricos”, diz ele. O restante continua sendo um mistério.
Apenas agora os cientistas começam a entender de que modo os processos epigenéticos se relacionam com transtornos complexos como o autismo. A boa notícia é que alguns desses processos, ao contrário das nossas sequências de DNA, podem ser alterados. Os genes transformados pela metilação, por exemplo, podem às vezes ser reativados com relativa facilidade. E, embora isso talvez ainda não ocorra no futuro próximo, a esperança é de que um dia os equívocos epigenéticos possam ser consertados de modo tão simples quanto a afinação de um piano.

Escrito a lápis e a caneta

Na Festa dos Gêmeos, Danielle Reed está a postos diante de uma barraca de pesquisa com uma prancheta, solicitando aos gêmeos que participem de seu estudo de bebidas alcoólicas. Não faltam candidatos e ela vai inscrevendo um par após outro. Formada em genética, Danielle já trabalhou com muitos gêmeos ao longo dos anos e tem uma ideia precisa do quanto aprendemos com as pesquisas dos gêmeos. “É bastante evidente, quando levamos em conta os gêmeos, que grande parte do que partilham é inata”, diz ela. “Muitas coisas a respeito deles são as mesmas, e são inalteráveis. Mas também é óbvio, quando se passa a conhecê-los melhor, que há neles coisas diferentes. Para mim, os processos epigenéticos estão na origem de muitas dessas diferenças.”
Danielle atribui à pesquisa realizada por Bouchard o atual recrudescimento de estudos de gêmeos. “Foi ele quem desbravou o caminho”, diz ela. “Esquecemos de que, há 50 anos, era comum considerar o alcoolismo e as doenças cardíacas como ocasionados pelo modo de vida. A esquizofrenia era tida como resultado de uma criação problemática. Os estudos com os gêmeos nos permitiram refletir melhor o que de fato é inato e o que é provocado pela experiência da pessoa.”

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