domingo, 23 de março de 2014


os gemeos jim

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Há pouco tempo, contudo, novos estudos de gêmeos contribuíram para levar os cientistas a uma inusitada e radical conclusão, de teor quase herético: a de que o inato e o adquirido não são as únicas forças básicas em jogo. De acordo com uma recente disciplina denominada “epigenética”, há um terceiro fator também relevante, o qual, em alguns casos, serve de ponte entre o ambiente e os genes, e, em outros, atua de forma isolada para nos moldar.

Os gêmeos Jim

A ideia de usar os gêmeos para avaliar a influência da hereditariedade remonta a 1875, quando o cientista inglês Francis Galton foi o primeiro a sugerir tal abordagem (e também o primeiro a usar a expressão “inato e adquirido”). No entanto, foi na década de 1980 que os estudos de gêmeos tomaram uma direção surpreendente, após a descoberta de vários gêmeos idênticos que haviam sido separados logo após o nascimento.
A história teve início com o caso de dois irmãos, ambos chamados Jim. Nascidos em Piqua, Ohio, em 1939, Jim Springer e Jim Lewis foram adotados ainda bebês e criados por casais diferentes, que, por acaso, lhes deram o mesmo nome. Quando Jim Spring retomou o contato com o irmão aos 39 anos, em 1979, eles constataram uma série de outras semelhanças e coincidências. Ambos tinham 1,80 metro de altura e pesavam 82 quilos. Quando crianças, tiveram cães chamados Toy e passaram férias com a família na praia St. Pete, na Flórida. Depois, mais velhos, ambos se casaram com mulheres chamadas Linda, e depois se divorciaram. Suas segundas esposas tinham o mesmo nome: Betty. E os dois batizaram os filhos com os nomes de James Alan e James Allan. Ambos trabalharam como policiais em meio período, gostavam de realizar projetos de marcenaria, sofriam de dores de cabeça intensas, fumavam cigarro Salem e bebiam cerveja Miller Lite. Embora usassem o cabelo de modo distinto – o de Jim Springer tinha franja; Jim Lewis penteava o seu para trás –, eles eram donos do mesmo sorriso torto, suas vozes eram indistinguíveis e ambos compartilhavam o hábito de deixar pela casa bilhetes amorosos para as esposas.
Assim que ouviu falar dos dois irmãos, o psicólogo Thomas Bouchard, da Universidade de Minnesota, os convidou a seu laboratório em Minneapolis. Ali, ele e sua equipe submeteram os irmãos a uma bateria de testes que confirmou as similaridades. Embora tenham crescido isolados um do outro, os gêmeos Jim, como vieram a ficar conhecidos, parecem ter seguido as mesmas trilhas. “Lembro-me de estar sentado a uma mesa quando aqui chegaram pela primeira vez”, conta Bouchard. “Ambos tinham as unhas roídas até o talo. Nenhum psicólogo lhes perguntaria isso, mas ali estava, à vista de todos!”
A essa altura, os pesquisadores haviam descoberto outros gêmeos separados após o nascimento e só reunidos quando adultos. No decorrer de duas décadas, 137 pares de gêmeos acabaram visitando o laboratório de Bouchard para o que se tornou conhecido como o Estudo Minnesota de Gêmeos Criados em Separado. Eles foram submetidos a vários testes de capacidade intelectual: vocabulário, memória visual, aritmética e rotação espacial. Passaram por exames de capacidade pulmonar e cardíaca e de monitoramento das ondas elétricas cerebrais. Completaram testes de personalidade e de QI, e foram entrevistados sobre sua vida sexual. No total, cada gêmeo foi bombardeado com mais de 15 mil questões.
Depois de acumular essa montanha de dados, Bouchard, Segal e seus colegas passaram a tentar desvendar alguns dos enigmas mais complexos da natureza humana: por que algumas pessoas são felizes e outras tristes? Por que algumas são extrovertidas e outras tímidas? Quais são em geral os fatores determinantes da inteligência? A chave da abordagem deles foi um conceito estatístico denominado “herdabilidade”. De modo resumido, a herdabilidade de uma característica reflete em que medida as diferenças entre os membros de uma população são explicáveis por questões genéticas. Comparando a probabilidade de gêmeos idênticos partilharem determinada característica com a mesma chance envolvendo gêmeos fraternos, os pesquisadores podem calcular quanto tal diferença se deve à variação genética. A altura de uma pessoa, por exemplo, com frequência é estimada em 0,8 – o que significa que 80% das diferenças de altura entre indivíduos de uma determinada população são oriundas de distinções em seus genótipos.
Quando examinaram os dados da inteligência dos gêmeos, Bouchard e sua equipe chegaram a uma conclusão polêmica: no caso de pessoas criadas na mesma cultura, e que tiveram as mesmas oportunidades, as diferenças de QI refletiam em grande parte diferenças herdadas, mais que diferenças na criação ou na formação. Usando dados coletados em quatro testes distintos, eles obtiveram um resultado de herdabilidade de 0,75 no caso da inteligência, indicando assim forte influência da hereditariedade. Isso ia em sentido contrário ao da opinião predominante entre os comportamentalistas, segundo a qual nosso cérebro seria no início tábula rasa que com o tempo ia sendo moldada pela experiência. Ainda mais alarmante para alguns, a sugestão de que a inteligência estava ligada à hereditariedade evocava as infames teorias dos movimentos eugênicos no início do século 20 na Inglaterra e nos Estados Unidos, que defendiam a melhoria do genótipo coletivo por meio da reprodução seletiva.
Outra questão examinada pelos pesquisadores foi a influência da criação nos níveis de inteligência. Ao comparar gêmeos idênticos criados em famílias diferentes, como os dois Jim, com aqueles criados na mesma família, eles constataram que os resultados de QI nos pares eram similares. Não é que não fizesse diferença em qual família os gêmeos haviam sido criados. Isso não implicava, logo se apressaram a dizer Bouchard e sua equipe, que os pais não tinham nenhum impacto nos filhos. Sem um ambiente de amor e apoio, nenhuma criança consegue desenvolver seu potencial completo, dizem. Mas, quando se trata de explicar por que certo grupo de crianças obteve resultados de QI distintos, 75% da variação devia-se à genética, e não à formação.

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